A influência do TDAH na Vida Afetiva de Adultos Portadores

Durante muito tempo, falar em “habitantes do mundo da lua” e “bichos carpinteiros” imediatamente nos fazia lembrar daquelas figurinhas que, merecedoras deste ou daquele apelido, incomodavam nossas vidas. Essas crianças, que sabemos hoje serem portadoras do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), têm dificuldade em controlar sua atenção, sua impulsividade e sua hiperatividade. Segundo o psiquiatra Russell Barkley, uma das maiores autoridades americanas em TDAH, “a atividade cerebral que comanda a inibição do comportamento, a auto-organização, o autocontrole e a habilidade de inferir o futuro está prejudicada por um metabolismo deficiente dos neurotransmissores, levando à incapacidade de administrar eficazmente os aspectos críticos do dia a dia” (1995). Pensando desta maneira, veremos que essa definição tanto pode se referir a crianças como a adultos, e é exatamente essa a conscientização que vem ocorrendo nas últimas décadas.

A partir dos anos 70, os cientistas começaram a perceber que o TDAH não desaparecia com a adolescência. Na realidade, 70% das crianças diagnosticadas com o transtorno carregam os sintomas para a vida adulta (CHADD, 2000). Freqüentemente, os sintomas básicos – desatenção, impulsividade, hiperatividade – acabam se tornando menores e menos sérios do que os problemas causados por falta de diagnóstico e tratamento na infância ou adolescência. Em adultos com TDAH, é bastante comum a instabilidade de humor, problemas no trabalho, dificuldades nas relações interpessoais, depressão, abuso de substâncias químicas e comportamento de risco como decorrência das dificuldades originadas por esse transtorno.

As Relações Interpessoais

Entre os vários problemas de origem neurológica ou psiquiátrica, é possível que o TDAH seja o que mais ocasione dificuldades no relacionamento homem-mulher.

A incapacidade fundamental de prestar atenção leva a um comportamento considerado tipicamente masculino: não ouvir, não perceber os sentimentos dos outros, não lembrar de acontecimentos ou datas importantes, não lembrar de fazer os pequenos trabalhos da casa, esquecer o horário da festa das crianças etc. Essa atitude pode parecer falta de amor e consideração. Juntando-se a isso uma certa dificuldade em estabelecer intimidade, pois a hiperatividade impede de engajar tempo suficiente para criar essa intimidade, temos um adulto com TDAH facilmente rotulado de frio, insensível e egoísta, características nada desejadas em um relacionamento amoroso. A impulsividade contribui para dificultar ainda mais a situação, com decisões tomadas sem consulta à companheira, “cabeça quente” e grande rotatividade no trabalho profissional.

No lado feminino, as queixas se referem ao constante “sonhar acordada”, depressão e frustração em nunca conseguir desenvolver seu próprio potencial, além da sensação permanente de estar presa numa armadilha (Hallowell e Ratey, 1994).

Como, em ambos os casos, esses sintomas são comuns à vida de todo e qualquer casal, poucas pessoas levam em consideração a possibilidade do TDAH estar na base do problema de um casamento em dificuldade. Freqüentemente, podem levá-las à beira do divórcio.

Mesmo que o transtorno possa abalar a intimidade de uma relação e deixar os parceiros exaustos com o esforço de mantê-la, é possível equilibrar a situação de modo que ambos possam trabalhar juntos, ao invés de estar, constantemente, um contra o outro.

O Relacionamento Sexual

A maioria das pessoas não percebe o impacto que o TDAH tem sobre a vida sexual de um casal. Ele pode ser extremamente negativo, e tem origem em dois fatores totalmente opostos um ao outro: a hiposexualidade e a hipersexualidade. O parceiro portador tanto pode exibir distração durante os momentos de intimidade, por razões tão prosaicas como o som do relógio na mesinha de cabeceira ou a lista de compras do dia seguinte, como ficar extremamente envolvido por uma atividade sexual excessiva.

O problema dos que se encaixam no primeiro grupo não está na ausência de prazer ou interesse em relação ao sexo mas na dificuldade de ficar focado enquanto o praticam, assim como têm dificuldade de permanecer focalizados em qualquer outra atividade da sua vida diária. Não lhes falta libido nem motivação, nem podem ser classificados de “frígidos” ou “assexuados”.

Os que estão do outro lado deste espectro encaram sexo como mais uma situação altamente estimuladora, semelhante, talvez, à prática de um esporte radical. É a sua maneira de aliviar o tédio ou de focalizar a atenção. De certo modo, para essas pessoas, o sexo tem um papel igual ao álcool, ao fumo e às drogas quando utilizados inconscientemente como automedicação.

Ambos os casos reagem de maneira significativa a um tratamento adequado.

Diagnóstico e Tratamento

O tratamento mais eficaz para TDAH é aquele baseado em diagnóstico completo e preciso (Capel e Brown, 1997). São muitas as condições que podem imitar os sintomas do transtorno, desde excesso de café a distúrbio de tiróide ou depressão. Portanto, a primeira coisa a fazer é uma avaliação ampla e completa com um profissional conhecedor do assunto – no caso, um neurologista ou psiquiatra.

De posse do diagnóstico, informar-se de tudo que há sobre esse transtorno e como lidar de maneira adequada com ele. Quanto mais um casal souber sobre o TDAH, mais cada parceiro vai saber adotar a atitude correta para compreender e ajudar a si próprio e ao outro. Sobretudo, é preciso encontrar o grau correto de aceitação, entendendo que essa é uma condição inerente ao ser e que pode chegar ao extremo de nunca se modificar.

Assim como acontece no tratamento da criança, o adulto com TDAH vai se beneficiar de um tratamento multidisciplinar, que compreende a combinação de intervenções medicamentosa, educacional, psicológica bem como de adequações ambientais e estratégias psicossociais.

Ao escolher os profissionais que vão integrar essa equipe multidisciplinar, é preferível contar com a ajuda daqueles que já têm algum conhecimento do assunto e que podem entender as várias maneiras com que o TDAH contribui para os problemas de um relacionamento.

Conclusão

Uma relação afetiva que envolve um ou ambos os parceiros com TDAH exige boas doses de coragem, vontade de aprender, flexibilidade e compromisso. Mais do que em qualquer outra relação, é preciso olhar e refletir sobre as razões que uniram o casal em primeiro lugar. Ao invés de manter uma lista de sintomas do companheiro, lembrar das qualidades responsáveis pela atração e mantê-las vivas na mente. Dessa maneira, um homem e uma mulher ligados por algo mais do que o TDAH não permitirão que as dificuldades da condição enfraqueçam ou destruam seu relacionamento.

Bibliografia

Barkley, R. A.(1997). ADHD and the nature of self-control. New York: Guilford Press.

CH.A.D.D. (1997). ADD and Adults: Strategies for success from CH.A.D.D. Plantation

HALLOWELL, E.M.; RATEY, J.J. (1999) Tendência à Distração. Rio de Janeiro: Rocco

NOVOTNI, M. (1999) What does everybody else know that I don’t? Plantation: Specialty Press

Artigo de Maria Cristina Bromberg*
*Pedagoga, Mestre em Distúrbios do DesenvolvimentoPedagoga, Coordenadora da GOTAH – Grupo de Orientação sobre o TDAH, Pesquisadora do Centro de Neuropediatria do HC de Curitiba e do Instituto Pelé Pequeno Principe

Fonte: http://www.hiperatividade.com.br/article.php?sid=65